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not your honey pie

por rafaela venturim

Alguém um dia disse que os amores desgraçados rendem boas histórias. Eu não sei ao certo quem disse nem se concordo. A verdade é que este é mais um texto que eu gostaria de não precisar escrever. Dia desses, numa dessas sessões de terapia em que a gente não faz mais do que dizer “sim (...) é mesmo (...) concordo” entre soluços e um choro de algo preso na garganta, minha terapeuta me disse que eu tenho uma forma muito particular de me causar dor: ignorando a dor que sinto em prol de curar a dor de quem me causou a minha. Este texto é um pedido de desculpas a mim mesma, é uma ode à minha dor e, por fim, uma despedida.

 

Eu sinto que todos os meus textos de amor acabam vindo parar neste blog. Ou, talvez, todos os meus textos do que eu acho que é o amor, mas, em especial, do fim dele. Há algum tempo eu já não sei mais distinguir o que é amor do que é apenas um amontoado de sentimentos confusos demais, que no final me deixam mais bagunçada, machucada e traumatizada do que antes. Aquela infeliz frase sobre aceitarmos o que achamos que merecemos é uma das coisas mais cruéis que existem; como é que eu vou aceitar o que acho que mereço, quando reiteradamente eu só recebi o mal e pensei que era tudo que havia? Como eu vou conhecer o que é tranquilo e conseguir me apegar a ele sendo, ao mesmo tempo, livre? Como aprender a amar, quando tudo o que conheço do amor parece me machucar? Sou só eu, num quarto qualquer, sozinha. Sou só eu e os meus pedacinhos, que ficaram ali sem que eu me desse conta de quantos murros levei sem perceber, sem reagir, sem saber a linguagem que impõe limites e estabelece parâmetros de tratamento do que imagino ser o amor. Quando dou por mim, já estou só os meus pedaços.

 

Se amor é tudo o que eu acho que me machuca, como eu vou ser capaz de, um dia, merecer o amor que faz bem?

 

Eu acredito que mereço o que me faz mal?

 

No fundo, meu medo é que a resposta seja: sim, eu aceito, porque acho que mereço. Porque dizer sim implica dizer que tenho, ano após ano, convivido com uma inimiga, com alguém que desconhece ou ignora minhas necessidades e me puxa pra baixo. A vida inteira pensara que difícil era conviver com os outros, mas agora parece que difícil, quase impossível, é conviver comigo mesma.

 

Certa feita, diante de um dos meus ex-namorados, numa das nossas intermináveis brigas pelo cadáver em putrefação que se tornara o nosso relacionamento, eu expus uma longa lista de motivos pelos quais eu gostaria de receber um outro tipo de tratamento, mais amoroso, mais gentil. Pedi para receber mensagens de bom dia e boa noite — pedi para, sabe, ser tratada como gente, pra variar. Disse a ele que, dada a forma com a qual me tratava, por vezes parecia que ele me odiava. A resposta veio como um corte de navalha na carne: “então, se você está com alguém que acredita te odiar, você se odeia em primeiro lugar”. Eu deveria ter terminado com ele naquele dia. Não o fiz, permaneci ali por mais uns dois dias. Ainda me dou créditos por só ter ficado por mais dois dias, apesar de estes viverem em conflito com as minhas constantes punições por ter ficado por mais dois dias.

 

Acontece que isso já tem mais de dois anos.

E hoje, agora, cá estamos de novo.

 

“Eu não acredito que estou neste lugar de novo”, foi o que eu disse em voz alta há duas semanas.

 

Não tenho fórmula pronta, mas acho que perceber o padrão, deixar o sangue escorrer, é o primeiro passo. Não sei se existe uma resposta, não visualizo um meio. Uma amiga me disse que nem tudo a gente muda, algumas coisas a gente só entende que são assim. Por ora, sou ferida aberta, mas teimosa o suficiente para acreditar em mim mesma e permitir que em algum momento da vida o vento sopre a meu favor, sopre tanto que estanque o que hoje sou.

 

Então, finalmente, e agora sim, essa é uma despedida: obrigada por ter ido embora, porque eu não o teria feito. Ao fazê-lo, você me relembrou que o maior e mais duradouro relacionamento que terei será o comigo mesma. Não era amor, era só esse tantão de coisas. Não era exatamente sobre você. A gente não tinha nada a ver, e talvez eu duvide um pouco mais dos astros agora, visto que não há compatibilidade de signos que sobreviva quando algo não é para ser. Quando você dizia que me amava, no fundo eu sabia que não era bem assim — falar de amor não é amar. Mas, eu não teria desistido. Fazendo isso, eu já me desrespeitava o suficiente, porque no fundo eu sabia. No fundo eu sempre soube: não era sobre você, era sobre mim.

 

Eu te disse que meus textos sobre amor vinham sempre parar neste blog; acho que só não te contei que nem todos eles são mesmo de amor.

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Minha terapeuta semana passada me disse que preciso escrever mais, que escrever é importante no processo de se conectar com o que a gente é. A verdade é que ela nem sequer precisava ter me dito isso. Passo tempo de mais escrevendo, pensando e lendo sobre política, por profissão e vocação, e acho que isso me afastou de mim. Não que seja necessariamente ruim, digo, isso da política. Eu hoje me sinto muito mais dona de mim mesma e dos meus pensamentos do que outrora. Gosto que as pessoas me vejam falando do que entendo e gosto que elas confiem no que eu digo. Gosto de sentir que meu limitado conhecimento não fica restrito a mim mesma. Mas às vezes sinto falta de me entender, de me encarar, de me perceber vulnerável. Por ora, este blog vai funcionar como refúgio, e espero que aqui eu possa estar absolutamente despida. Daí a ideia de escrever ao menos um post por semana. 

Pois bem, vamos a isto. 

Eu iniciei este ano jurando que ele seria o meu ano. Pensei em tantas coisas, programei viagens, queria conhecer a Rússia no meu aniversário, queria visitar Roma, encontrar algum amor nas ruas, adotar um animalzinho de estimação, voltar a frequentar a academia. Nada disso se concretizou nem parece sequer próximo de se concretizar. É curioso como as coisas mais corriqueiras hoje parecem tão distantes. Uma academia, veja você, eu não sei quando poderei visitar novamente. Todos os meus planos hoje se resumem a ir num parque qualquer bem aberto, com sol, e ler alguma coisa, conseguir visitar algum canto de estudos e escrever a minha dissertação ou ir à casa da minha amiga para ver seriado sem pausa e comer pão de queijo: tudo isso que, antes, parecia tão banal. 

Na manhã de sexta, ouvi um podcast onde uma brasileira narrava o processo de desconfinamento em Lisboa e, sendo muito franca, sinto receio. Mais do que isso, sinto quase que uma tristeza. Como voltar à vida normal e me despedir dessa vida que, apesar de muito dura e muito cruel, me manteve segura nos últimos quase três meses? Desconfinamento, aliás, é uma palavra que aparece sublinhada de vermelho sempre que a escrevo: talvez não exista. Por Deus, nem sequer deveria ser escrita, porque confinamento já é suficientemente ruim e indescritível, de modo que, penso eu, retira de nós a possibilidade de sequer pensar no que pode vir depois.

Se existe algo que tenho sentido de forma recorrente é luto. Esse luto que caminha comigo não tem nada de bonito, mas muito de honesto, e se desdobra em várias partes. Luto pelos planos que fiz no início do ano, luto pela vida que tinha antes, luto, agora, até mesmo pelo confinamento — sem falar no luto óbvio pelas já incontáveis mortes. Já virou lugar comum eu escrever sobre saudade. Neste momento, a única coisa que me comove é a ideia distante de conseguir passar o Natal com a minha família. Tenho a sensação de que irei quebrar em mil pedacinhos no primeiro abraço que meu pai me der depois disso tudo. Quase consigo sentir o aconchego que sentirei no colo da minha mãe. Conto os dias sem saber quantos dias faltam, mas torcendo muito para que não passem de 25 de dezembro.

Ontem, fui ao parque Eduardo VII e fiquei lá por quase duas horas. Só eu, os pássaros, a grama e o calor do sol. Foi a primeira vez, em quase três meses, em que me senti verdadeiramente viva. Ao mesmo tempo, também o mundo pareceu estranho. Uma sensação de estranheza e de pertencimento. Pertencimento ao que somos juntos, estranheza por precisarmos, agora, redescobrir como nos relacionar. As pessoas usando máscaras no metrô, silenciosamente se afastando umas das outras quando a proximidade é perigosa, silenciosamente sentindo um medo e uma cumplicidade que caminham muito juntas: é este o novo normal. Sentimos medo uns dos outros e do ambiente que nos cerca, mas, quando nossos olhares se cruzam, por mais breve que seja, é como se disséssemos: estou feliz que você está aqui, que eu também estou aqui. Não foi fácil, eu compreendo, eu também estive lá. Mas por agora estamos aqui e vamos encontrar uma solução. Parece bobagem dos poetas de outrora, mas é que o mundo anda meio poético mesmo. Nestes tempos, o mero fato de existir é um baita ato de coragem. Somos todos muito corajosos. Dessa coragem, espero eu que saia algo bom. 


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Quando comecei a aprender a escrever, uma das primeiras coisas que minha mãe me deu, junto ao caderno de caligrafia (o qual, admito, não resultou em grande coisa até hoje), foi um diário. Daqueles de criança, com cadeado e tudo. E lá se vão quase vinte anos de escrita. Gosto de pensar que escrevo coisas que algum dia alguém irá ler, por mais narcisista que isso pareça a princípio. A verdade é que, ao escrever, quero contar a um leitor hipotético, e quero contar de tudo, com riqueza de detalhes. As páginas que escrevi já viram muitos amores e amantes, viram tragédias, viram episódios diversos e surpreendentemente bons, viram mortes e também nascimentos, olhos verdes, azuis e castanhos, essas páginas conheceram homens e mulheres que só existem, agora, no que escrevi no papel — de certa forma, essas pessoas só são reais e vivas, hoje, porque eu escrevi sobre elas. Os meus diários viram também, sempre, um amanhã. Já estiveram em Vitória, em Paris, no interior do Espírito Santo, e agora fazem morada em Lisboa. Começo sempre assim: Tal lugar, tal dia. Valter Hugo Mãe disse, em A Desumanização, que escrever é ficar.  Gosto de pensar que é mais que isso: escrever é ficar, sim, mas também é ir além. Se escrevo, é porque acredito que alguém, no futuro, irá ler. Escrever é também um exercício de teimosia, é fincar o pé e dizer: o amanhã virá, sim, se não comigo, ao menos através de mim. Escrever é materializar o futuro.

O que escrevo hoje pode parecer uma distopia, e, ao escrever, quero pensar que sim. Quero que seja só mais uma página de horror dentre tantas outras tão diferentes do que escrevo hoje. Se minhas palavras existem agora, elas só farão sentido no amanhã, em uma outra realidade, para uma outra cabeça, num outro contexto. Por isso é que eu escrevo hoje: porque insisto no amanhã e não cogito sequer a hipótese de ele não vir.
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Cais do Sodré, Lisboa, Portugal. 01 de janeiro de 2020, 17h32min.

Para ler ao som de: Daylight - Taylor Swift (caso queira)

Olá, você. Não que eu ache que tenha alguém aí, mas, por via das dúvidas, prefiro sempre cumprimentar. Como é que você está? Tem algum tempo que eu não escrevo aqui. Não que o último texto tenha sido aquele de 2017, vieram alguns outros depois, mas eu achei por bem deixar só aquele mesmo como tendo sido o último. Os outros viraram rascunhos, mesmo que o significado disso não seja inteiramente verdade. 

Em 2017, escrevi um texto apaixonada. Aconteceram muitas coisas depois daquele texto. Mas não me arrependo dele, assim como não me arrependo de nada do que veio depois. "Não sê tão ingrata, não esquece quem te amou". Em 2019 eu resolvi o mal entendido dos meus sentimentos, coloquei-me no eixo novamente. Penei bastante, chorei menos do que outrora, entendi o gosto amargo que existe na melancolia de querer mandar uma mensagem e não ver mais motivos para fazer isso. Acostumei-me em estar só e conheci na solidão a beleza de ser exatamente quem eu sou: sem retoques, sem pudor, simplesmente  o movimento mecânico do ar entrando e saindo dos meus pulmões. Justamente por isso, foi um ano solitário, um ano em que eu e meus fones de ouvido demos longas caminhadas por Lisboa, ano de ser turista todos os dias nessa cidade que me acolheu e que virou casa.

Casa é um conceito abstrato. Visitei o Brasil em agosto e constatei que casa é mesmo onde eu estou. Em casa, sentia saudade de cá. Cá, sinto saudade de lá. Bué saudade, pá! Saudade, por sua vez, não é um conceito abstrato. É tão concreto que pesa o peito. Às vezes, o peso parece que vai me arrastar pra baixo, de modo que eu compreendi que casa é onde estou, saudade é o que eu sinto e que o que eu sou é uma mistura bem preparada de tudo isso, junto com a confusão de não saber se estou fazendo o que é certo. Volta e meia me pego perguntando a mim mesma se é aqui mesmo que devo estar, se é aqui que conhecerei as pessoas que preciso conhecer e de que (e quem) estou abrindo mão ao escolher este caminho. Toda escolha é uma renúncia, mas, na certeza de que jamais saberei ao certo, nos meus melhores dias eu só deixo nas mãos de Deus e foco que tudo o que eu tenho é um punhado de saudade, um bocado de angústia e um tantão de presente. Estou e sou, hoje, presente. Por ora, isso deve bastar. As respostas se materializarão com o tempo, e eu realmente acredito que tudo o que eu estou buscando também está buscando por mim.

Nas minhas andanças pelo mundo, conforme os dias se passam, tenho percebido que é fácil deixar a vida se tornar banal. Uma coisinha bonita aqui, um sorriso acolá, rostos e lugares que passam e eu por vezes nem noto. Sinto um desespero ao parar pra pensar a respeito, porque desde pequena fui dessas que se encanta com o canto dos passarinhos pela manhã e vê nisso um sinal de que o dia vai ser bom, de que a vida é boa e de que vale a pena permanecer por aqui. Se existe algo que 2019 me ensinou, parando agora para refletir, é que Vinicius estava errado, não é melhor ser alegre que ser triste. Ao menos, não necessariamente. É melhor ser alegre ou estar triste vez ou outra do que não sentir coisa alguma. Portanto, uma das minhas resoluções para este novo ano é sentir mais e sentir tudo, o bom e o ruim, na esperança honesta de que o bom seja predominante — porque eu preciso, porque eu quero, porque eu acredito que estou preparada para ele.

Há uma passagem em Before Sunrise, um dos filmes que mais marcaram a minha vida, em que uma cartomante diz à Celine: "Você tem estado numa jornada e você é uma estranha neste lugar. Você é uma aventureira, uma descobridora. Uma aventureira na sua mente. Você se interessa pelo poder feminino e pela enorme força e criatividade femininas. Você está se tornando essa mulher. Você precisa se resignar à estranheza da vida — somente quando encontrar paz em si mesma, conseguirá verdadeiramente se conectar com os outros." A minha paz eu construí, a duras penas. Deixo para lá e bem distante toda e qualquer opinião que tenham sobre mim, a boa e a ruim, porque o que importa é que eu goste de mim. Pois bem, eu gosto de mim, eu sei de mim e eu sou questão minha. Eu vivo todos os dias o que eu preciso viver para me tornar cada vez mais quem eu sou. Eu autorizo que a vida me encante novamente e eu permito que ela me mostre aonde isso vai me levar no final.

Vida, 2020: surpreendam-me. Confio em vocês.

A gente vai se falando.

Até já!


I wanna be defined by the things that I love
Not the things I hate 
Not the things that I'm afraid of 
Or the things that haunt me in the middle of the night,
I just think that — 
You are what you love

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Rafaela Venturim, 25 anos. Feminista e latina americana, assim mesmo, com a grafia que reforça meu gênero mulher. Mestranda e abolicionista penal. Gostos pessoais incluem comunismo e sertanejo. Eu falo muito e aqui poderei falar com mais caracteres.

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